“O vice-presidente da República, José Alencar, foi vítima no domingo do ‘golpe do falso sequestro’ ao atender uma ligação telefônica em seu apartamento, no Rio de Janeiro.
Sozinho em casa, Alencar inicialmente acreditou que o suposto sequestrador estava realmente com Maria da Graça, uma de suas filhas. Durante a ligação, o criminoso colocou uma voz feminina pedindo socorro, dirigindo-se ao vice-presidente como ‘papai’.
‘Atendi um cidadão dizendo que havia sequestrado minha filha. Ele colocou ela no telefone, ela chorou e disse: ‘Papai, eu fui assaltada’. E eu tinha absoluta segurança de que fosse ela, pela voz’, disse.
O suposto sequestrador pediu R$ 50 mil em resgate. Alencar disse que, por estar no Rio, não teria acesso a esse montante. O criminoso não se intimidou com a negativa do vice-presidente e pediu joias como pagamento do sequestro.
‘Ele perguntou: ‘Não tem joia?’ Eu disse: ‘Não tem joia’. ‘Mas sua mulher não tem joia?’ ‘Não tem joia, ela não usa joia'’, relatou o vice.
O vice-presidente disse que cogitou pagar o valor ao criminoso, mas percebeu que se tratava de um golpe depois que sua mulher e alguns parentes chegaram ao apartamento.
Sem desligar o telefone, Alencar pediu que os familiares telefonassem para a sua filha, e soube então que ela estava em segurança.
‘Elas ligaram para a Maria da Graça, minha filha. Ela estava em casa, tudo bem’, contou.
Alencar disse que, durante a conversa, chegou a se identificar para o criminoso como vice-presidente.
‘Ele me perguntou: ‘Qual é a atividade do senhor?’ Eu disse: ‘Eu sou vice-presidente da República’. ‘O quê?’ [pergunta o criminoso] Eu disse que era o vice-presidente da República.’
De acordo com a assessoria da Vice-Presidência, Alencar não chegou a negociar a redução no valor do resgate nem recorreu a amigos para levantar o dinheiro necessário para o pagamento do criminoso enquanto conversava com o suposto sequestrador.
O caso foi revelado ontem pelo ‘Jornal do Brasil’.”
“‘Sequestro virtual’ é registrado como extorsão ou ameaça
Não há levantamento estatístico sobre os crimes conhecidos como ‘sequestro virtual’ em razão de os casos estarem sob o registro de extorsão ou ameaça. Segundo o delegado Marcos Reimão, da Delegacia Antissequestro do Rio, porém, esse tipo de extorsão feita pelo telefone, na qual a vítima é ludibriada, está se tornando comum. ‘Mas é difícil saber a origem das ligações, pois as operadoras de celular não liberam rapidamente o registro para sua localização.’”
Quem faz essa ligação está praticando um crime. Contudo, como a matéria explica, ainda não se sabe bem qual, pois não existe nenhum artigo que trate especificamente de pessoas que ligam passando um trote. A configuração vai depender da interpretação das autoridades do governo responsável por investigar o crime (Polícia), acusar (Ministério Público) e julgá-lo (Judiciário). Contudo, o delegado confundiu-se ao dizer que poderia tratar-se de crime de ameaça. Ele provavelmente quis dizer ‘constrangimento ilegal’. Vamos ver o que cada um desses crimes significa
“Ameaça
Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.”
Nesse crime, o criminoso faz com que a vítima tenha medo dizendo-lhe que vai fazer isso ou aquilo (por exemplo, ferir ou matar um familiar). O problema de dizer que o ‘sequestro virtual’ é um crime de ameaça é que o objetivo na ameaça é causar o medo em si, mas o objetivo do criminoso no ‘sequestro virtual’ é subtrair o patrimônio da vítima. A ameaça, para o criminoso, é apenas o meio empregado pelo criminoso para conseguir apropriar-se do bem da vítima.
“Constrangimento ilegal
Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.”
Aqui, diferente do crime anterior, a intenção do agente é conseguir fazer com que a outra pessoa aja (ou deixe de agir). O constrangimento utilizado pelo criminoso é apenas o meio para alcançar aquele fim. No crime anterior, o constrangimento era o objetivo em si. Neste crime, ele é um instrumento.
Contudo, existe um outro crime no qual o ‘sequestro virtual’ se encaixa ainda melhor:
“Extorsão
Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.”
Repare que a extorsão é quase idêntica ao constrangimento ilegal. A diferença é que, na extorsão, o criminoso tem um objetivo específico: obter uma vantagem econômica indevida. Em ambos os crimes, o criminoso usa a ameaça para obter a cooperação da vítima, mas na extorsão a cooperação tem um objetivo econômico, que é o mesmo objetivo do ‘sequestrador virtual’.